07.3.2016 - A atual sucessão de governos na América do Sul revela o esgotamento das políticas de esquerda. Isso ocorre em paralelo a uma retomada da economia americana. Os Estados Unidos e o bloco europeu parecem reafirmar suas posições de liderança e hegemonia no mundo. O que isso tem a ver com as profecias bíblicas? De fato, o chamado chavismo perdeu espaço na Venezuela nas eleições legislativas de 2015, e a hegemonia de 16 anos da ideologia de Hugo Chávez está ameaçada. Na Argentina, o longo período de 12 anos dos Kirchner (Nestor, depois Cristina) chegou ao fim com a vitória do liberal Mauricio Macri. Na Bolívia, o socialista Evo Morales não poderá disputar um terceiro mandato; foi a decisão do referendo de fevereiro deste ano.
No início dos anos 2000, a ascensão de
Lula, Chávez e Kirchner, respectivamente, no Brasil, Venezuela e Argentina,
provocou uma onda das políticas sociais de esquerda na América do Sul. Na força
dessa onda, em 2005 o Uruguai elegeu Tabaré Vázquez; em 2006 a Bolívia elegeu
Morales e o Chile, Michelle Bachelet. Essa onda alimentou o ideal de políticas
sociais igualitárias e paternalistas na população sul-americana, uma das
sociedades mais desiguais do planeta.
Ao final de quase 15 anos, os elos
dessa corrente têm se enfraquecido e quebrado um após o outro. No Brasil, a
maior potência econômica da região, o governo de Dilma Rousseff está seriamente
ameaçado pelos mesmos motivos dos demais: evidências de corrupção e falência
das políticas populistas.
O enfraquecimento das esquerdas na
América do Sul faz parte do processo de desorganização da ideologia socialista
como um todo em curso desde a queda do Muro de Berlim, em 1989. A falência do
maior estado sócio-político construído sobre essa ideologia, a União Soviética,
fragilizou o discurso revolucionário ao redor do mundo. Além disso, o regime
comunista em Cuba e na Coreia do Norte só tem fortalecido a mentalidade
capitalista devido às agruras sociais e econômicas evidentes nesses países.
O comunismo chinês sustentou elevados
índices de crescimento econômico nos últimos anos, mas somente graças à
abertura para a economia de mercado em curso ali desde os anos 1970. No
entanto, apesar de representar uma salvaguarda para a ideologia socialista, o
milagre chinês começa a apresentar sinais de esgotamento. Nos dois últimos
anos, a China tem enfrentado crescente fuga de capitais, queda da bolsa,
desvalorização da moeda e do mercado imobiliário e evidências de corrupção.
Este período da economia chinesa tem sido avaliado como o fim de um ciclo.
O enfraquecimento dessas economias
coincide com a retomada do crescimento dos Estados Unidos. Muita coisa não vai
bem nas economias modernas, mas o que se assiste nestes tempos pode ser
considerado como um esgotamento quase final das ideologias de esquerda e um
fortalecimento da economia de mercado em nível global.
Uso aqui
a expressão “esquerda” em referência às políticas voltadas para o estado
intervencionista e controlador da liberdade geral, e “economia de mercado” para
aquelas fundadas na ideia da suficiência do mercado em regular a si mesmo. Em
geral, as políticas de esquerda defendem a igualdade, e as de direita, a
liberdade. No livro Destra
e Sinistra, o filósofo italiano Norberto Bobbio diz que a esquerda
procura eliminar as desigualdades sociais com medidas protecionistas, já a
direita entende que essas desigualdades são naturais e que a sociedade se
autorregula.
Outro aspecto das ideologias de
esquerda é a negação da dimensão religiosa da sociedade. Por sua vez, a direita
se adapta ao discurso religioso e o utiliza como parte de suas estratégias de
poder.
Essa tensão entre uma esquerda que
nega Deus e uma direita que pretende usar o nome de Deus foi prevista por
Daniel, profeta e também estadista. As visões relatadas nos capítulos 2, 7 e 8,
de seu livro, têm o foco no “tempo do fim”, quando o poder perseguidor dos
“santos” emerge mais uma vez, mas só para ser destruído com a chegada do reino
de Deus. O profeta diz que o reino de Deus “esmiuçará e consumirá todos estes
reinos” humanos (Dn 2:44), e que “o domínio, e a majestade dos reinos” serão
dados aos “santos do Altíssimo” (7:27; ver 8:9-12).
Mas, onde está a esquerda e a direita
na profecia?
As profecias apocalípticas se
desdobram em quadros paralelos, os quais acrescentam novos detalhes ao tema já
abordado. Tratando do mesmo “tempo do fim”, a visão de Daniel 11 descreve um
conflito prolongado entre o chamado “rei do Norte” e o “rei do Sul” (v. 40-45),
no qual o Norte prevalece sobre o Sul, pouco antes de investir contra o
“glorioso monte santo”, ou seja, os mesmos “santos” das visões de Daniel 7 e 8.
As expressões “monte santo” e “monte Sião” frequentemente indicam o santuário e
o povo de Deus (Ez 20:40; 28:14; Dn 9:16, 20).
O perseguidor dos “santos”, de acordo
com Daniel 7 e 8, é o “chifre pequeno”, símbolo do papado. Ele muda a lei de
Deus, persegue os que permanecem fiéis às Escrituras e pretende tomar o lugar
de Deus na Terra (Dn 7:8, 21, 25; 8:9-12). Entretanto, antes de perseguir os
santos, no tempo do fim, o “chifre pequeno”, que é o mesmo “rei do Norte” (Dn
11:31, 36, 37), terá de suprimir o “rei do Sul”. Mas, no clímax da investida
contra o “monte santo”, o tal “rei do Norte” será derrotado (11:45; ver 8:25).
Os “rumores do Oriente” que o perturbam são as claras evidências da chegada do
reino de Deus com a volta de Cristo (11:44; 8:13, 22).
Da perspectiva de Israel, o Norte era
a posição de Babilônia e o Sul, a do Egito. Na Bíblia, frequentemente o Norte
representa aquele que deseja estar em lugar de Deus. Lúcifer desejava subir ao
“céu”, exaltar seu trono “nas extremidades do Norte” e ser “semelhante ao
Altíssimo” (Is 14:13, 14). Babilônia é referida como o poder do “Norte” que
derrama “o mal sobre todos os habitantes da terra” (Jr 1:13-16; 6:22, 23). O
rei de Babilônia teve a arrogância de desafiar a Deus (Dn 3:15; 4:24, 25).
Daniel afirma que o “chifre pequeno” provém do Norte (Dn 8:9). No Apocalipse, o
poder que se levanta contra os fiéis de Deus no tempo do fim é retratado como
“besta” ou “Babilônia” (Ap 13:1, 7; 14:8; 17:5; 18:2, 10, 21).
Se o “rei do Norte” é o mesmo “chifre
pequeno”, que é o papado em sua investida contra os “santos”, quem é o “rei do
Sul” que será suprimido antes da perseguição aos “santos do Altíssimo”?
Jacques
Doukhan, em seu livro Secrets
of Daniel, comentando Daniel 11, diz que o Sul simboliza, na
tradição bíblica, “o poder humano sem Deus”. O Sul aponta para o Egito (Dn
11:43), especialmente para o orgulhoso faraó: “Quem é o Senhor para que lhe
ouça eu a voz e deixe ir a Israel? Não conheço o Senhor” (Êx 5:2). Uma aliança
de Israel com o Egito seria um deslocamento da fé, uma troca de Deus pela
humanidade, ou seja, a fé na humanidade substituindo a fé em Deus. Isaías diz:
“Ai dos que descem ao Egito em busca de socorro e se estribam em cavalos; que
confiam em carros, … mas não atentam para o Santo de Israel, nem buscam ao
Senhor! … Pois os egípcios são homens e não deuses” (Is 31:1-3).
Assim,
no conflito protagonizado pelo Norte e o Sul, nessa visão de Daniel 11, “o
Norte representa o poder religioso” que pretende ocupar o lugar de Deus, o
poder do estado perseguidor dos “santos”; e o “Sul representa os esforços
humanos que rejeitam Deus e têm fé apenas na humanidade”, ou seja, os poderes
seculares fundados nas ideologias ateísticas e materialistas (Secrets
of Daniel, p. 173). Nesse caso, as ideologias de esquerda e seus
estados socialistas são aqui retratados com a figura do Egito e do Sul.
Assim, Daniel previu um conflito
prolongado, no tempo do fim, entre o poder político-religioso e o poder ateísta
e materialista. Ele visualizou a resistência do poder materialista, mas
profetizou que este último terminaria sendo suplantado.
O Apocalipse não dá esses detalhes do
conflito providos pelo estadista Daniel. João visualizou o momento posterior em
que todos os que “habitam sobre a terra” (Ap 13:14) e os “reis do mundo
inteiro” serão envolvidos pelo poder da Babilônia, no Armagedom (16:14, 16).
Essa profecia de Daniel 11 é
extremamente significativa diante da nova configuração geopolítica do mundo
desde a queda do muro de Berlim. Os poderes políticos capitalistas, unidos ao
poder religioso cristão desviado da verdade bíblica, conseguiram desorganizar o
estado comunista e materialista europeu no fim da Guerra Fria. Nos anos 1990, o
poder americano despontou como a única potência global, deixando em seu rastro
as ideologias de esquerda em completa confusão. O Norte se sobrepôs ao Sul.
No desfecho
desse conflito que resultou na queda do comunismo no Leste europeu, os Estados
Unidos tiveram um decisivo aliado: o papa João Paulo II, que conseguiu
restaurar a influência religiosa do Vaticano no mundo. Isso é o que contam os
jornalistas Carl Bernstein e Marco Politi, no livro Sua Santidade: João Paulo II e
a História Oculta do Nosso Tempo (Objetiva,
1996).
Nesta década, a segunda etapa de
desorganização das ideologias e dos regimes de esquerda, incluindo os da
América do Sul, aponta para o crescente poder do “rei do Norte”. Segundo a
profecia, sua agenda prevê investidas iminentes contra o “monte santo de Deus”.
Esta será a última batalha do “rei do Norte”, na qual, porém, será
completamente derrotado. O Apocalipse prevê a dramática queda da confederação
da Babilônia, que é o mesmo “rei do Norte” (Ap 18:1-8).
Daniel garante que Deus se levantará
em defesa de seu povo, e o fim chegará para o opressor, e “não haverá quem o
socorra” (Dn 11:45).
VANDERLEI DORNELES, pastor e jornalista, é doutor
em Ciências pela Escola de Comunicação e Artes (USP), onde defendeu tese sobre
os aspectos mitológicos da cultura norte-americana. Autor dos livrosO Último Império e Pelo Sangue do
Cordeiro, entre outros, atua como
redator-chefe associado na CPB
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