© Lula Marques/Agência PT Os ministros do Supremo Gilmar Mendes, Luiz Fux, Carmem Lúcia,
Dias Toffoli e Rosa Weber. Corte é composta por onze membros.
27.3.2016 - Os
rumos da
crise política brasileira estão nas mãos de nove homens e
duas mulheres, ou como define o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Carlos Ayres Britto, “onze pares de olhos, onze experiências, onze altíssimas
responsabilidades”. “Este momento é de confiança vigilante no Judiciário. Esse
Poder tem, pela Constituição, a competência de falar por último quando as
controvérsias lhe chegam”, resume Ayres Britto. A principal controvérsia do
momento é o
processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Após
dois meses de paralisado no STF, que foi demandado a definir o rito que deve
ser seguido para o impedimento, o impeachment avança a passos largos na Câmara.
Segue tão rápido num cenário com um Governo cada vez mais isolado e assistindo
a uma debandada dos aliados que
o Palácio do Planalto pretende mandá-lo de volta para o Supremo,
sob a alegação de que não há base legal para questionar o mandato da
presidenta. "O pacto entre nós é a Constituição de 1988. Ela assegura que
não se pode tirar um presidente da República legalmente eleito a não ser que
haja prova de crime de responsabilidade. Não tendo, é golpe contra a
democracia",
disse a presidenta em entrevista ao EL PAÍS e a outros meios
estrangeiros. Outra questão importante que acabou judicializada é a posse
do ex-presidente Lula na chefia da Casa Civil. Como os onze ministros
responsáveis decidirão sobre esses assuntos é a pergunta que o país inteiro se
faz no momento. De todos os ministros que compõem a Corte, Teori Zavascki é o
mais relevante para a Lava Jato. O relator dos processos da maior operação da
história do país tem sob sua tutela o destino de mais de 50 autoridades. E a
lista pode aumentar nos próximos dias,
com a presença de Dilma, do vice-presidente Michel Temer e do
senador Aécio Neves (PSDB), todos mencionados na delação premiada de
Delcídio do Amaral. Indicado para o STF durante o Governo Dilma, Zavascki tem
demonstrado discrição ao longo do processo, inclusive quando
solicitou os processos do caso Lula na Lava Jato ao juiz Sérgio
Moro. A investigação sobre o ex-presidente Lula acirrou os ânimos dos
apoiadores do PT e do Governo, principalmente depois que Lula foi alvo de uma
condução coercitiva para depor e que o sigilo de telefonemas do ex-presidente
foi quebrado por Moro. As suspeitas públicas que pairavam sobre esses
procedimentos foram balanceadas pela intervenção de Zavascki. O ministro
criticou duramente Moro pela divulgação, mas encaminhou a decisão final para o
plenário com 11 nomes do STF, a quem caberá definir se detentores de foro
gravados pelos grampos, como a presidenta Dilma, serão investigados. “Precisamos
de mais plenário e menos liminares, mais decisões colegiadas e menos decisões
individualizadas”, diz o professor da FGV Direito Rio Joaquim Falcão A decisão
de Zavascki alterou parte de uma liminar concedida dias antes pelo ministro
Gilmar Mendes, de quem não se pode falar exatamente em discrição. Reconhecido
como crítico ferrenho dos governos petistas, foi
Mendes que suspendeu a posse de Lula na Casa Civil, sob a
suspeita de que o ex-presidente estava atrás do foro privilegiado que o cargo
lhe garantiria. Na mesma decisão, Mendes, que chegou ao STF sob indicação do
então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2002, havia remetido a
investigação sobre Lula para Curitiba — pela decisão de Zavascki, isso só
deverá ocorrer após o Supremo definir que parte do processo fica no STF e que
parte volta para a primeira instância.
Votos Para Joaquim Falcão, professor da FGV
Direito Rio, o Supremo tem plena competência para lidar com essas questões, mas
precisa tomar cuidado com a individualização das decisões. “Precisamos de mais
plenário e menos liminares, mais decisões colegiadas e menos decisões
individualizadas”, diz Falcão. O problema, segundo o professor, é que existem
mais de 30 maneiras de acionar o Supremo, entre mandados de segurança, ações diretas
de inconstitucionalidade, petições, agravos e embargos que tornam o sistema
extremamente complexo. A ministra Rosa Weber, outra indicada por Dilma de
atuação discreta na Corte, negou na terça-feira um pedido de
habeas corpus
da defesa do ex-presidente Lula contra a decisão de Gilmar Mendes de suspender
a posse na Casa Civiil. No mesmo dia, o ministro Luiz Fux — que chegou ao
Supremo pouco antes do julgamento do mensalão e votou duramente contra os
condenados pelo esquema — também negou provimento a um mandado de segurança que
questionava a decisão de Mendes de remeter o processo de Lula para o juiz
Sérgio Moro. Ambos citaram jurisprudência que visa evitar uma guerra de
liminares entre ministros da corte. Outro
ministro do STF que negou pedido da defesa de Lula nesta semana foi Edson
Fachin, também pelo mesmo motivo. Juiz mais novo da Corte Suprema,
Fachin enfrentou pressões públicas e teve de fazer campanha
de gabinete em gabinete para conseguir convencer os senadores de que não
assumiria vaga no Supremo para defender o Governo Dilma. O motivo: Fachin
apoiou a candidatura de Dilma publicamente em 2010, com direito a discurso
disponível na internet. Na primeira votação importante, contudo, votou contra a
vontade do Governo, ficando entre os vencidos quanto ao
rito do impeachment que atribuiu mais importância ao Senado no
processo. "O Judiciário não é um órgão de Governo, mas um órgão
impeditivo do desgoverno", diz o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto A
desconfiança com Fachin se assemelha àquela sentida em relação aos ministros
Luis Roberto Barroso e Antonio Dias Toffoli. Um dos mais novos na Corte,
Barroso participou da mobilização para a criação do PT nos anos 1980 e tem
adotado posições progressistas no Supremo, em particular no seu
voto pela liberação da maconha. No rito do impeachment,
abriu a dissidência que resultaria em desfecho celebrado pelos governistas. Já
Dias Toffoli, que foi advogado do PT e ficou marcado popularmente no julgamento
do mensalão por supostamente votar para amenizar a situação de petistas como o
ex-ministro José Dirceu, tem adotado com muito vigor posições parecidas com as
do antipetista Gilmar Mendes.
Golpe
ou não golpe Os ministros do STF não vivem completamente
apartado do mundo político — prova disso são a polêmica em torno da reunião de
Lewandowski com Dilma em Portugal, no ano passado, por exemplo. Oficialmente,
eles disseram que discutiram o aumento do Judiciário. Mais recentemente, a
polêmica envolveu o encontro público de Gilmar Mendes com o senador
oposicionista José Serra (PSDB). "Eu não estou proibido de conversar com
Serra, nem com Aécio (Neves, também senador tucano), nem com pessoas do Governo",
disse Mendes, em entrevista à BBC Brasil. Nos últimos dias,
a participação deles no cenário político se intensificou. Ao menos dois
deles, Carmém Lúcia e Dias Toffoli, foram instados por órgãos de imprensa
a comentar se "impeachment é golpe". Responderam o óbvio, sem entrar
no mérito do caso de Dilma Rousseff: reafirmaram que o instrumento está
previsto na Constituição. Desde que respeitados os preceitos legais, não é
golpe. Indicada por Lula, a ministra Cármen Lúcia foi dura com os petistas
durante o julgamento do mensalão, em particular ao condenar os argumentos de
defesa que apresentaram o caixa dois como um crime menor ou corriqueiro. Nesta
semana, foi a que mais falou sobre os caminhos do processo de impeachment. Em
entrevista à GloboNews, disse: "O processo de impeachment é previsto
na Constituição. Não se pode falar em golpe se houver observância da
Constituição. Agora, é preciso observar a Constituição para a gente ter
garantia de que não há golpe, que, aí sim, teria de afrontar a Constituição,
deixar de cumpri-la", começou. E
acrescentou: "O processo do impeachment é político-penal, no sentido de
que há uma previsão e a necessária e imprescindível observância das leis e da
Constituição, para se instalar - autorizar pela Câmara, e processar e julgar
pelo Senado - um crime. E crime é uma prática que precisa ser comprovada.
Só que, como tem o conteúdo político, o julgamento se faz por uma outra Casa
que não o Poder Judiciário. O Senado se transforma em órgão de julgamento
presidido pelo presidente do Supremo".
Questionada se o processo poderia ser judicializado, ele sugeriu que,
após chegar ao Senado, é pouco provável. "Pela singela circunstância de
que o que vai para Poder Judiciário é a não observância das leis e um processo
conduzido pelo presidente do Supremo, que neste caso preside a Casa julgadora,
não deixará ocorrer nada que transgrida a Constituição e e as leis. A competência
é do Senado, não é do Poder Judiciário." Lúcia deve ser a próxima
presidenta do Supremo.
Demais votos Já o ministro Marco
Aurélio Mello, um dos mais antigos da Corte — ele foi indicado por Fernando
Collor de Mello, seu primo, em 1990 —, tem feito declarações públicas em defesa
da estabilidade institucional, o que, alguns leem, como indiretamente um
benefício ao Governo em atividade. Completam
a lista o atual presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, marcado por setores
da opinião pública, assim como Toffoli, por ser mais suave com os petistas no
julgamento do mensalão e por seus embates com o relator daquele caso, Joaquim
Barbosa; e, por último, o decano Celso de Mello. Membro mais antigo do grupo
(desde 1989), Mello se posicionou publicamente, em nome do STF, sobre o
conteúdo das gravações em que o
ex-presidente Lula se referiu à Corte como
"acovardada" diante do que chamou de "República de
Curitiba". A julgar pelo duro tom escolhido por Mello para a ocasião, as
apostas são de que Lula e o Governo Dilma não terão vida fácil por ali.
Neste fim de semana, um vídeo com declarações dele a uma mulher que o abordou
num lugar público circulou nas redes sociais. Mello defendeu a Operação Lava
Jato, que, segundo ele, "tem por finalidade expurgar a corrupção que
tomou conta do Governo e de poderosíssimas empresas brasileiras". Nas próximas semanas, todos estarão atentos a
todas as falas e gestos dos 11 do Supremo. Pressões e politizações à parte, o
ex-ministro Ayres Britto repete que "o Judiciário não é um órgão de
Governo, mas um órgão impeditivo do desgoverno".
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