04.3.2014 - A
ocupação militar da Crimeia pela Rússia representa o fim da estabilidade
territorial europeia no pós-Guerra Fria. Por um lado, a Crimeia tem um
significado estratégico militar limitado para os russos, apesar de sediar a
base naval da sua Frota do Mar Negro. Na verdade, a real importância da
península é de ordem geoestrategica uma vez que o controle total da Ucrânia
alteraria o equilíbrio de poder global em favor da Rússia. A condição
geopolítica russa fez com que as preocupações de segurança nacional sempre
tivessem uma importância acima da média se comparado com outras nações. Isso
faz com que cada evento ou movimento ao redor do seu território (ou área de
influencia) seja visto como uma ameaça mortal. Do ponto de vista do risco
político global, não importa o quanto fundamentadas sejam as considerações
russas e suas supostas justificativas. Permitir que a Rússia abocanhe um país
do tamanho da Ucrânia é extremamente grave para a ordem mundial. É importante
deixar claro que a decisão russa de usar força militar é consciente e visa
mandar um sinal de mudança de jogo. Moscou poderia ter usado sua costumeira
pressão econômica, por exemplo, via gás natural. Não o fez por escolha, e com
propósito. O Putin de 2014 não é o mesmo de 2004, ou até mesmo o de 2008 (quando
invadiu a Georgia). O ex-KGB tem se mostrado desinteressado em aproximar a
Rússia com a Europa. Seu projeto de país vislumbra uma Rússia nos moldes do
Império Soviético e já deixou claro que está disposto a sacrificar os
interesses econômicos por esse objetivo. O risco de abalar a reputação ou
imagem internacional de seu país também não altera seus cálculos. Nem mesmo os
7 anos de preparativos e uma conta de 50 bilhões de dólares para sediar os
Jogos de Sochi – que tinham como objetivo polir a imagem do país – foram
suficientes para brecar suas ambições imperiais. Uma revisão do status quo
soberano abre precedentes que irradiariam insegurança para todos os membros do
leste da OTAN e especialmente os países Bálticos–Lituânia, Estônia e Letônia
(com as maiores minorias russas). A violação russa não se limita a soberania
ucraniana mas também descumpre o Memorando de Budapeste quando a Rússia se
comprometeu a não ameaçar ou atacar o território ucraniano. Depois da queda da
União Soviética, a Ucrânia ficou em posse de muitas armas nucleares russas e
concordou em devolver o arsenal somente depois de negociado garantias de
proteção e segurança contra ofensivas futuras. A crise Ucraniana elevou a
polarização entre o Ocidente e Oriente dentro da periferia da antiga União
Soviética. Moldova e Georgia estão buscando uma aproximação com o Ocidente para
garantir sua segurança. Moldova enxerga a situação na Crimeia como uma replica
da sua província (separatista e pro-russa) da Transnístria. Por outro lado, a
Armênia anunciou que vai acelerar seu processo de adesão a União Euroasiática
(uma espécie de União Europeia da Eurasia comanda pela Rússia). O país que já
abriga uma base militar russa e laços econômicos sólidos está caminhando para
uma integração ainda maior. No mundo pós-Crimeia, países como Polônia, Georgia,
Ucrânia, Hungria, Romênia, Lituânia estão se perguntando se os EUA são aliados
confiáveis e capazes de protege-los. Vai conquistar a fidelidade desses países
aquele que demonstrar mais firmeza e força. Globalmente falando também teríamos
precedentes perigosos. Outras potências revisionistas poderiam pensar em
recuperar territórios perdidos do passado. Se o argumento russo é de que deve
controlar a Crimeia porque tem que proteger suas minorias, o que dizer da
minoria chinesa na Tailândia ou Vietnam? E a minoria iraniana na Arabia
Saudita? A lista é grande! Independente do Putin ganhar ou perder na Ucrânia,
as chances da Rússia se tornar um parceiro na solução dos problemas do mundo
diminuíra drasticamente. No Oriente Médio, por exemplo, os impactos serão
evidentes. Bashar al-Assad da Síria será o primeiro a ter certeza que escolheu
o aliado e estratégia certa. E o acordo nuclear com o Irã? A vontade dos EUA em
resolver rapidamente o dilema nuclear somado a intenção da Rússia em impedir o
progresso americano vão fortalecer o Irã nas negociações daqui para frente. Mais
uma vez, a pergunta central é por que os brasileiros precisam entender a crise
política de um país que representa apenas somente 0.2% do PIB global? A crise
já atingiu os mercados financeiros do mundo. O benchmark de Moscou caiu 9.4% e
o rublo atingiu seu ponto mais alto em relação ao dólar. Todas as empresas com
exposição aos mercados ucraniano e russo experimentaram fuga de capitais. O Dow
Jones, S&P, FTSE, Euro Stoxx caíram. Os mercados de energia também foram
muito afetados. 80% do gás natural russo que vai para Europa passa pela Ucrânia
e 40% do gás importado da Europa vem da Rússia. O preço do gás natural subiu 6%
nos mercados ingleses e as ações da Gazprom caíram 10%. Em caso de um
agravamento da crise e corte no fornecimento do gás, a Europa tem 18 dias de
gás estocado. Essa é uma pequena amostra de como entender o que acontece na
Ucrânia pode ajudar a medir os riscos políticos nos mercados.
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