segunda-feira, 26 de setembro de 2016

O GÁS BOLIVIANO

Fernando Henrique fez um poderoso lobby em cima do Itamar para assinar o protocolo com a Bolívia e fazer o gasoduto Brasil-Bolívia. Por quê? Porque a Bolívia não ganha nada, tem 10% das reservas de gás. As reservas pertencem a British Petroleum, a British Gas, a Mobil.

A Shell tinha uma reserva no Peru, descoberta em 1983 e até hoje não produziu porque o único cliente era o Brasil e precisava fazer o gasoduto, antieconômico, por sinal. Condenaram a Petrobras a fazer o gasoduto. Ela investiu 2 bilhões de dólares, arrumou o dinheiro... Agora, o gás é comercializado. Ainda assim, o Brasil paga o preço mais caro do mundo pelo gás. E o Brasil tem gás, que foi descoberto depois...

O preço do gás na América Latina é de um dólar por milhão de BTU. A Petrobras paga o dobro. Além disso, Fernando Henrique interrompeu 15 projetos de hidrelétricas para obrigar a corrida para o gás, da termoelétrica. Saímos de uma energia limpa e renovável, que é a água, produzida com projetos nacionais, e passa a depender de uma energia externa, paga em dólar, o gás da Bolívia. Aí veio aquela desvalorização do Real. E quem bancou o risco cambial a partir daí? A Petrobras. E o gás precisava ter clientes. Não tem como usar esse gás todo na indústria. Para levar até as indústrias tem de fazer gasoduto, que custa mais dinheiro. Se sua quantidade de gás é abaixo de um milhão de metros cúbicos por dia, o seu preço cresce de três dólares por milhão de BTU para 25 dólares/milhão de BTU. Então, não compete com outros combustíveis, como o óleo combustível, mais pesado, que sai por um preço baixo porque não tem muita demanda. E é poluente. Fizemos em 1994 uma campanha enorme contra o gasoduto, mas perdemos a batalha. E aí criaram as termoelétricas para consumo desse gás. Só que a demanda não correspondeu à expectativa. Obrigaram então a Petrobras a comprar o kilowatt produzido. Ela está tendo um prejuízo de dois bilhões por ano com isso.

PERDEU, PETROBRAS PAGA

Além disso, tem essa briga das termoelétricas mercantis, uma do Eike Batista, outra da Enron e outra da El Paso. E eles tinham ordem para vender a energia gerada pelo preço que quisessem. Quando deu aquele apagão, houve uma perspectiva de consumo elevado. Eles iriam trabalhar no pico da demanda; fizeram as três termelétricas pensando: "Nós não vamos vender o tempo todo, só no pico, e, com um preço excepcional, compensa". Na hora que sentiram a falha da projeção, recorreram à mãe de todas: fizeram um contrato com a Petrobras — com a administração anterior, na base do conchavo — e ela passou a bancar esse risco. Ela pagaria um valor mínimo para eles; vendendo ou não eles tinham a contribuição da Petrobras. Como a demanda foi muito aquém, ela passou a pagar tudo. O risco deles foi transferido para a Petrobras, que não tinha nada a ver com o negócio.

O diretor Ildo resolveu denunciar esse contrato altamente leonino, enquanto que o Código Civil prevê que, se uma das partes fica em completa desvantagem, ela pode recorrer. O Ildo recorreu e parece que a Justiça brasileira, que também é uma gracinha, acabou dando uma derrota... Então a Petrobras resolveu comprar porque ia ter mais lucro. Comprou a parte da Enron, estava negociando com a El Paso e aí foi negociar com o Eike Batista, que não aceitou vender para a Petrobras. A Petrobras entrou na justiça e perdeu na primeira instância para El Paso, o que deu força para o Eike. Ou seja, a Petrobras entra de vaca leiteira na história: está alimentando a especulação que não deu certo e eles estão transferindo isso para a empresa.

DESCOBERTA DO GÁS

Nós cansamos de condenar o gasoduto porque a Petrobras entrou de gaiato nessa história, tirou dinheiro da bacia de Campos — projeto que dá um retorno de 80% ao ano — e aplicou num projeto que dá retorno de 10% ao ano e tem o custo financeiro de 12%.

Aí surgiram dois campos de gás.

Quando fizeram a lei que quebrou o monopólio, deram à Petrobras três anos para explorar as áreas que estavam em seu poder. A ANP, como representante da União, trouxe 93% das reservas para si e deu para a Petrobras o direito de escolher 10%. Claro que a empresa escolheu as melhores porque já conhecia todo o Brasil. Então, ela botou uma equipe de alto nível para selecionar as reservas. Em meados de 98, o Zilberstajn, que passou a dirigir a ANP, disse que a Petrobras só iria ficar com 7%, e os outros 3% seriam devolvidos para a Agência — os 3% da seleção que a Petrobras havia feito!

Esses três anos, que prorrogaram por mais dois, venceriam em agosto de 2003. Se a Petrobras não explorasse esses 7% no prazo, teria que devolver à ANP. Quando o novo diretor assumiu, decidiu assim: "Vamos pegar todo o esforço e furar o mais fundo possível". E de janeiro a agosto eles descobriram 6,6 bilhões de barris de petróleo. E aí surgiram esses dois campos do Sul, dos quais 15% são de gás.

DESCOBRIU PARA QUEM?

Descobrindo, o Brasil, se tivesse um governo de coragem... de chegar para a Bolívia: "Olha, estou em desvantagem nesse gás e agora eu descobri, vamos renegociar esse contrato. Não posso pagar 2 dólares/milhão de BTU". O negócio é que não é a Bolívia, são as multinacionais. O Lula cede à pressão do sistema financeiro, quer ser reeleito, faz o que os caras mandam. Aí posa de cumpridor de contratos, um sujeito responsável... mas ele está dando o que os eles querem, o mesmo que o Fernando Henrique dava, com outra desvantagem, porque antes a gente tinha os sindicalistas fazendo pressão, hoje os sindicalistas estão cooptados, a CUT está cooptada, os sindicatos estão cooptados... a Articulação domina esses sindicatos. Estamos com o mesmo governo e sem oposição.

O preocupante é o seguinte: o Brasil não tem uma estratégia energética, um planejamento, não tem nada a favor. Tem apagão aqui, tem apagão ali... Bota a culpa no Operador, arruma um bode expiatório... Falta é planejamento energético, decente, para resguardar a energia e a soberania nacional.

O gás natural entrou no Brasil de repente e sem qualquer discrição na virada do século: custou caro – 2 bilhões de dólares – e foi uma aposta na estabilidade boliviana. Nestes últimos seis anos, desde a inauguração em 1999 do primeiro trecho do gasoduto entre os dois países, a Bolívia teve quatro presidentes e está no quinto – três renunciaram e só um, vice alçado ao cargo, terminou um curto mandato. A aposta da Bolívia é maior: se não vender para o Brasil, praticamente não tem para quem vender. 

Neste meio tempo, o Brasil ficou mais e mais dependente do gás natural. A conversão dos últimos anos incluiu boa parte da frota de táxis e ônibus, aquecedores e fogões domésticos nas grandes capitais. E vai além: só a indústria paulista consome 10 milhões de metros cúbicos ao dia. Tem o suficiente no subsolo boliviano, 1,5 trilhão de metros cúbicos na última estimativa, mas, a cada crise, a cada multidão e cheiro de revolução nas ruas de La Paz, retornam as ameaças de fechar a torneira parcialmente e estatizar o negócio que o Brasil financiou em parte.

Não é apenas o Brasil que sente esta crise de oferta. O gás natural é um combustível recente no jogo da energia mundial e, embora muitos países o tenham em seus subsolos, poucos têm infra-estrutura para exportá-lo. Alan Greenspan, presidente do Fed, Banco Central dos EUA, aponta uma crise de oferta do gás natural como um dos principais riscos econômicos pelos quais passa seu país. A expectativa da revista britânica “The Economist” é de que, em 2025, o gás natural venha a ter a importância que o petróleo tem hoje.


Problema histórico


O problema particular da Bolívia, que não resiste a ameaçar o Brasil quando pode, é sua história. Desde que os espanhóis financiaram seu império no século 16 sugando ouro e prata das minas do Potosí, a Bolívia sempre viu seus recursos naturais explorados por estrangeiros. Foi assim com o carvão, com o estanho. A vasta reserva de gás, descoberta em 1995 e que parece ser maior a cada estudo, soa a muitos bolivianos como sua última chance. Assim, a população é cada vez mais suscetível ao clamor pela estatização, pelo arrocho das multinacionais. Trata-se do país mais pobre da América do Sul.

Sem dinheiro ou know-how para tirar o combustível da terra, durante o primeiro governo Gonzalo Sánchez de Lozada decidiu-se pela procura de parceiros externos. Lozada foi o típico governante de Terceiro Mundo nos anos 90: privatizador. A diferença é que não vendia todas as empresas, mas apenas participações acionárias. No negócio da construção da infra-estrutura e exploração do gás, seus parceiros incluíram a Enron – a mesma do escândalo financeiro nos EUA –, a Shell, a francesa Total e, principalmente, a espanhola Repson e a Petrobras. Uma estatização repentina, a esta altura, custaria particularmente caro às duas últimas.

O gás natural é um combustível fóssil como o petróleo, mas tem características um bocado diferentes. Seu componente principal é o metano, que na atmosfera se transforma em dióxido de carbono e água. Ou seja, polui pouco. Demorou tanto tempo para ser explorado porque o transporte é muito difícil. Petróleo e óleos derivados são líquidos, basta pô-los no navio e carregar. O gás natural exige gasodutos caríssimos e não atravessa oceanos. Ou assim era até há pouco.

Reduzido a 170ºC negativos, o gás natural se liquefaz e ocupa 600 vezes menos volume. A técnica de liquefação só começou a ser explorada em fase de testes nos anos 60 e se desenvolveu comercialmente nos últimos anos. É caríssima: exige navios especiais – de acordo com um relatório da Administração de Informação sobre Energia dos EUA, existem apenas 206 deles no mundo; além disto, plantas bilionárias de liquidificação do gás e, na ponta do comprador, portos cuidadosamente adaptados e plantas de regaseificação igualmente caras. Sai bem mais do que os 2 bilhões de dólares do gasoduto Brasil-Bolívia. Hoje, 139 milhões de metros cúbicos de gás natural liquefeito são vendidos no mundo, isto é mais ou menos um quarto do negócio. O resto vai por gasoduto.


O melhor parceiro


O Brasil depende da Bolívia para atender sua demanda de gás natural, mas a Bolívia precisa do Brasil para vendê-lo. No fundo, o Brasil é praticamente seu único mercado de peso. Argentina ou Paraguai são quase um troco. Se, a partir de uma possível eleição do líder cocalero Evo Morales no ano que vem ou no seguinte, vier a estatização que muitos da esquerda cobram, virá também uma crise diplomática. A Petrobras, afinal, é uma estatal brasileira. A briga é com o Brasil. Quem tem mais a perder é a Bolívia.

Há um projeto boliviano, antigo, de exportação para os EUA. Mas é difícil: mesmo que venha o perdão da dívida externa prometida pelo G8, ainda assim a Bolívia precisaria pedir empréstimos internacionais altos para implantar toda a infra-estrutura de produção de gás natural liquefeito. Quem acabou de estatizar, dando prejuízo às multinacionais, teria dificuldade para consegui-los.

O problema é delicado também do ponto de vista diplomático: a Bolívia não tem litoral. Tinha até 1879, mas perdeu para o Chile numa guerra. O projeto de venda de gás liquefeito aos EUA traçaria uma rota pelo Pacífico até Baja California, no México, onde haveria a regaseificação e, então, o produto seguiria por gasoduto até a Califórnia. Mas antes tem de chegar ao litoral e, para isso, ou atravessa os Andes no Peru com um cano ou rediscute a relação estremecida há mais de século com o Chile.

Ainda assim, grupos ecologistas que são particularmente militantes e onipresentes na Califórnia não querem gás natural naquele estado americano. Não é que polua demais, mas é combustível fóssil. E os militantes sentem que, se vier oferta de gás natural bom e barato, os estudos locais de alternativas energéticas ecológicas ficarão sem incentivo.

A Bolívia terá de conviver com o Brasil. É seu melhor e maior parceiro. Até porque, em 2004, o governo brasileiro anunciou a descoberta de uma lauta reserva de gás natural no litoral de Santos. Ainda não há idéia de seu tamanho exato, mas é grande. Ou, nas palavras da professora Goret Pereira Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, "pode ser até uma Bolívia". A partir do momento em que decidir investir na exploração, a Petrobras tirará gás natural próprio em cinco anos. Tem tudo para alimentar o mercado interno e ainda exportar.

Enquanto isto não acontece, o Brasil segue precisando da Bolívia, um país em crise contínua e permanente. O novo presidente, Eduardo Rodriguez, promete eleições o quanto antes. Se tudo seguir como parece, Evo Morales será eleito. O Brasil estará à mercê de suas decisões políticas. Mas, se o povo boliviano estiver certo e esta for realmente sua última chance, fica difícil entender em que um calote no Brasil pode ajudar a Bolívia.
23/09/2016 - O governo da Bolívia garante que, apesar da mudança de presidente no Brasil e dos protestos por parte de La Paz, o governo não irá romper com Brasília e muito menos no que se refere à renegociação de um acordo para a venda de gás natural. Quem garante isso é o chanceler boliviano, David Choquehuanca, de passagem por Genebra.
No início da semana, a delegação boliviana foi uma das seis que, na Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque, se retiraram da sala quando o presidente Michel Temer tomou a palavra para discursar. Tratava-se de um protesto contra o impeachment no Brasil. Assim que Dilma Rousseff foi afastada definitivamente, o governo boliviano mandou seu embaixador em Brasília retornar para La Paz.
Mas, gradativamente, o próprio chefe da diplomacia boliviana foi modificando o tom de suas críticas. Na semana passada, ele indicou que o retorno do embaixador em Brasília havia ocorrido apenas para que o diplomata explicasse o que estava ocorrendo no País.
Agora, ele foi ainda mais taxativo sobre o fato de que as negociações com o Brasil serão mantidas. Segundo ele, "os ministérios correspondentes de energia devem estar coordenando essa agenda".
Questionado pelo jornal "O Estado DE s. Paulo" se não há um rompimento, o ministro foi explícito: "Não, para quê?". "Não vamos romper", garantiu.
Ainda no governo de Dilma Rousseff, os dois países chegaram a falar da necessidade de se iniciar uma renegociação sobre o preço do gás boliviano vendido ao Brasil. O acordo assinado em 1999 vence em 2019. Mas La Paz quer antecipar as negociações, com preços mais favoráveis. A queda no preço do barril do petróleo afetou o gás natural e, em março de 2016, a renda dos bolivianos com as vendas ao Brasil era 43% inferior ao que se praticava no início de 2015.
Mas os bolivianos também temem que, com a produção do pré-sal, o novo acordo representa uma compra mais baixa por parte do Brasil. Para a Bolívia, as exportações de gás natural para o Brasil e Argentina representam 36% do crescimento de seu PIB.
As vendas, porém, também estão sob investigação. O gás é trazido ao Brasil pela TBG, empresa sob controle da Petrobras. A empresa também controla 2,6 mil quilômetros de gasoduto entre Corumbá (MT) e Canoas (RS). Mas, em 2014, o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público abriram auditoria para examinar a suspeita de pagamento extra da Petrobras à YPFB em US$ 434 milhões.
O chanceler acompanhava a visita oficial do presidente da Bolívia, Evo Morales, ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. As declarações do chefe da diplomacia, porém, ocorreram apenas depois que a imprensa brasileira tentou em três ocasiões.
Na primeira delas, David Choquehuanca deu a entender que não entendia a pergunta. Questionado se La Paz reconhecia o governo Temer diante de "confusões" sobre os sinais dados pelos bolivianos, ele se manteve em silêncio. Logo depois, respondeu: "Confusão para quem?", sem esclarecer.
Na segunda tentativa, o chanceler simplesmente se manteve em silêncio e continuou caminhando. Um membro de sua delegação apenas comentou: "Viva Pelé", arrancando um sorriso do chanceler.
Na terceira tentativa, ele alegou que precisava ir ao banheiro. Mas, na quarta vez que foi abordado, finalmente se explicou. Nesta sexta-feira, Morales também cancelou uma coletiva de imprensa que havia agendado e se recusou a falar com a imprensa, alegando "falta de tempo". Para a imprensa brasileira, o presidente boliviano sugeriu: "Peçam uma entrevista".
Ausência
Se a Bolívia não quer romper com o Brasil, o Itamaraty não enviou a embaixadora do País na ONU para presenciar o discurso de Evo Morales. Nesta sexta-feira, ele pronunciou um discurso de 45 minutos diante do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Numa sala lotada, Morales foi aplaudido de pé por algumas delegações e repleta de embaixadores. No caso do Brasil, a delegação foi representada apenas por dois diplomatas brasileiros, de escalão inferior. A embaixadora do Brasil na ONU, Regina Dunlop, não esteve presente. Contatada por telefone e mensagem, ela não respondeu.
Numa outra reunião também na ONU organizada por Morales, o Brasil não foi convidado e o presidente boliviano explicou sua saga e seus projetos apenas a "países amigos".
Na semana passada, o Itamaraty tampouco esteve presente na reunião do Movimento dos Países Não-Alinhados, numa cúpula organizada em Caracas e que marcou a posse de Nicolas Maduro como presidente do grupo. O Brasil é membro observador. Mas a única participação foi a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, numa mensagem de vídeo, demonstrou seu apoio a Maduro.
Durante seu discurso, Morales não citou a divisão entre grupos dentro do continente ou a crise brasileira. Seu ponto principal foi denunciar o governo chileno e o obstáculo criado por Santiago para garantir acesso ao mar.
Qual é a maior empresa de petróleo do mundo? A Exxon? A Shell? A Chevron? A BP?  Nenhuma delas.  As maiores empresas de petróleo e gás do mundo são estatais - as chamadas national oil companies (NOCs).  Entre elas, estão a Saudi Aramco (Arábia Saudita), a NIOC (Irã), a KPC (Kuwait), a ADNOC (Abu Dhabi), a Gazprom (Rússia), a CNPC (China), a PDVSA (Venezuela), a Statoil (Noruega), a Petronas (Malásia), a NNPC (Nigéria), a Sonangol (Angola), a Pemex (México) e a Petrobras. 

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