segunda-feira, 29 de julho de 2019

México tem mercado paralelo do pentobarbital, droga que induz à morte

28/07/2008 - A droga, o pentobarbital, é mortal ao colocar a pessoa para dormir e é estritamente controlada na maioria dos países. Mas pessoas velhas e doentes buscando uma forma rápida e indolor de pôr fim às suas vidas dizem que não existe lugar mais fácil no mundo do que o México para obter o pentobarbital, um barbitúrico comumente conhecido como Nembutal. Antes amplamente disponível como sedativo, hoje ele é usado na maioria das vezes para anestesiar animais durante cirurgias e para sacrificá-los. Pequenas garrafas da sua forma líquida concentrada, suficientes para matar, podem ser encontradas não nas prateleiras de muitas farmácias de descontos em Tijuana, mas em pet shops, que vendem uma grande variedade de animais, assim como medicamentos e outros produtos específicos.

“É no México onde o Nembutal está mais disponível”, afirma o “The Peaceful Pill Handbook”, um livro que fornece detalhes sobre métodos para acabar com a própria vida. Co-escrito por Philip Nitschke, fundador do Exit International, um grupo australiano que assiste pessoas que querem acabar com a própria vida cedo, o livro foi banido na Austrália e na Nova Zelândia.
O livro, assim como os seminários de Nitschke, fornece estratégias detalhadas para morrer. A forma de suicídio mais indolor e livre de problemas, ele sustenta, é comprar pentobarbital mexicano, que é vendido com nomes comerciais como Sedal-Vet, Sedalphorte e Barbithal.
Aqueles que buscam a droga, os famosos turistas da morte, sondam as farmácias veterinárias que existem em abundância em Tijuana. As prateleiras estão completamente estocadas com medicamentos contra carrapatos para cachorros, vitaminas para cavalos e uma ampla variedade de garrafas e caixas que fazem pouco sentido para quem não é veterinário.
O livro de Nitschke, no entanto, oferece belas fotos das muitas versões do pentobarbital mais adequadas para o suicídio. Comprá-lo pode ser tão fácil quanto mostrar as fotos para o balconista e pagar apenas o equivalente a US$ 30 (cerca de R$ 47) pela dose.
Balconistas de pet shops em toda a cidade de Tijuana reconhecem que estrangeiros regularmente pedem informação sobre a droga. “Provavelmente mais de cem pessoas entraram e pediram a droga nos últimos anos”, disse Pepe Velazquez, veterinário e dono da farmácia El Toro. Até o jornal regional "El Norte" publicar um artigo recentemente detalhando como era fácil comprar pentobarbital – e como os estrangeiros tinham intenção de usá-lo – muitos donos de estabelecimentos e balconistas deduziam que os clientes usavam a droga para acabar com a vida de seus animais. 

“Não tínhamos a menor idéia do que eles faziam”, disse um balconista de um pet shop chamado Califórnia. “Tudo aqui é para animais. Pensávamos que eles davam a droga para seus animais.”
Só que eles estavam comprando a droga para consumo humano. Nitschke estima que 300 membros desse grupo, a maioria deles da Austrália e alguns americanos e europeus, compraram a droga no México nos últimos anos. Alguns guardam a substância para quando sua saúde esteja enfraquecida ao ponto de não quererem mais viver. Em alguns casos, os compradores tomaram a droga no México mesmo.
“É tão tranqüilo quanto parece”, disse Nitschke sobre a morte causada por pentobarbital. “Eu geralmente recomendo que as pessoas o tomem com sua bebida favorita, por causa do gosto amargo. Nunca vi ninguém terminar de beber seu uísque ou champanhe. Não há tempo suficiente para dar um discurso. Você vai dormir e então morre.” 

Mas agora que foi explicitado que a droga está sendo usada para consumo humano, autoridades locais tentam impor restrições a compras sem autorização. As lojas agora devem vender a droga somente para veterinários licenciados que apresentem uma prescrição.
Don Flounders, de 78 anos, sofre de mesotelioma, uma forma de câncer rara e fatal geralmente relacionada à exposição ao amianto. Ele não teve problema nenhum em obter o pentobarbital quando viajou da Austrália para Los Angeles em janeiro, e então cruzou a fronteira com Tijuana para uma viagem de compras. “Entrei na primeira loja que anunciava ser veterinária, mostrei a foto e eles me deram”, contou, em entrevista telefônica da Austrália. 

Levar a substância para casa foi mais que um desafio. É ilegal trazer pentobarbital para os Estados Unidos e a Exit International afirma que oficiais aduaneiros de país confiscaram a droga de pelo menos três membros da organização australiana. O grupo afirma que nenhum membro foi pego com a droga por oficiais aduaneiros da Austrália.
Mas quando chegou em casa, Flounders, que faz campanha a favor da eutanásia, falou à equipe de um noticiário televisivo sobre sua compra no México. Ele foi filmado trazendo a garrafa para um amigo, Angie Belecciu, de 56 anos, que está morrendo de
câncer e ajudou a financiar sua viagem. As casas dos dois foram depois revistadas pela Polícia Federal Australiana. O suicídio assistido é ilegal na Austrália. 

“Foi uma afronta”, disse Flounders em relação à batida policial. “Tenho 78 anos e minha mulher tem 85. Tenho essa doença incurável e quando quatro policiais enormes chegaram marchando pelas escadas da frente foi muito vergonhoso.”
Nem Flounders nem Belecciu usaram o pentobarbital e não foram feitas acusações formais contra nenhum deles.
Outro australiano que comprou a droga no México, Caren Jenninh, foi condenado em junho por auxílio a homicídio culposo porque um amigo, Graeme Wylie, que tinha mal de Alzheimer em estágio avançado e há tempos expressava o desejo de acabar com sua vida, usou a droga para cometer suicídio há dois anos.
Shirley Justins, parceira de Wylie, também foi condenada por homicídio culposo no caso, porque abriu a garrafa de Nembutal comprada por Jenning e disse a Wylie que ele morreria se tomasse a substância.
“A grande questão é se esse homem tinha a capacidade mental na hora em que tomou a droga para acabar com sua própria vida”, disse Sam Macedone, advogado de Jenning. A corte ficou aparentemente balançada com o argumento da promotoria de que Wylie estava sofrendo dessa demência severa e que era incapaz de tomar uma decisão fundada para acabar com sua vida.
Jenning tem câncer, disse Macedone. Ela tem pela frente 25 anos de prisão, mas provavelmente tem menos de um ano de vida, ele disse. Se ele apresentar um apelo, disse Macedone, provavelmente não será avaliado antes da morte dela.
Macedone disse que é terrivelmente triste que “façamos alguém assim passar por tudo isso, quando tudo que ela fez foi ajudar um amigo a chegar aonde queria”. O suicídio assistido virou tema no México, quando, em abril, o Senado decidiu permitir que médicos eliminem medicamentos que mantêm vivos pacientes, mas não tomem atitudes ativas para causar a morte deles. A eutanásia enfrenta a forte oposição da 
Igreja Católica.
“Para mim, isso é horrível”, disse Velazquez em relação à eutanásia. “Acho que as pessoas deveriam viver a vida pelo tempo que Deus decidir.”
Toda a publicidade sobre o uso não-autorizado do pentobarbital fez com que ele se tornasse mais difícil de ser encontrado ao longo da fronteira do norte do México. “Ah, não, não temos isso”, disse um balconista do El Grano de Oro, a mesma resposta dada por atendentes em seis diferentes lojas veterinárias na zona turística de Tijuana em uma tarde recente.
Na sétima loja, no entanto, a apenas alguns blocos da Avenida Revolución, a balconista afirmou ter a droga em estoque. Ela alcançou uma prateleira atrás do balcão e pegou uma caixa de Sedalphorte, uma das marcas recomendadas por Nitschke. A embalagem tinha fotos de um gato e um cachorro e dizia em letras grandes que o produto só poderia ser vendido com receita.
Questionada se poderia vender a caixa, a balconista disse, com olhar confuso: “Claro”. E registrou a venda por US$ 45 (cerca de R$ 70). 

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