terça-feira, 10 de setembro de 2019

Saiba os segredos da maior empresa que já existiu

Tão poderosa quanto um país, a Companhia Holandesa das Índias Orientais enviou quase um milhão de europeus para a Ásia em mais de 4.700 navios. Além disso, a companhia dominou o comércio global por quase dois séculos, movimentando 2,5 milhões de toneladas de ouro. Avô das corporações modernas, essa empresa foi a primeira a realizar uma oferta pública inicial de suas ações, a negociar transnacionalmente, a se tornar uma marca global reconhecida e mais. Nós exploramos a história dessa companhia pioneira e vamos contar sua incrível trajetória e queda. 

Especiarias escassas

Especiarias como pimenta, cravo, noz-moscada e canela, hoje em dia, são itens comuns e baratos. Mas no século XVI, essas mercadorias, que eram usadas para tudo, desde medicina até a preservação de alimentos, eram raras e caras na Europa. Na época, uma pequena porção desses temperos poderia comprar um rebanho de gado ou ovelha. 

Monopólio português

Os portugueses detinham o monopólio internacional do comércio de especiarias no século XVI, graças ao explorador Vasco da Gama, que descobriu as rotas marítimas para as Índias Orientais na década de 1490. Portugal negociava as mercadorias principalmente com os países protestantes do norte da Europa. Entretanto, isso mudou em 1580, quando o país se uniu a Espanha que estava em guerra com a Inglaterra e os Países Baixos (Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Flanders Francesa).

Espionagem industrial

Desesperada para conseguir uma parte do lucrativo comércio internacional de especiarias, a recém-criada República Holandesa recrutou espiões, como por exemplo, Cornelis de Houtman, para conseguir dados da Ásia. Os agentes trouxeram mapas de rotas marítimas "secretas", costumes locais, condições de clima e informações sobre a marinha portuguesa, que eles acreditavam que estava severamente enfraquecida.

Expedições iniciais

Com essa informações, a primeira expedição holandesa para o porto de Banten, em Java Ocidental (parte agora da Indonésia), partiu em 1595. A segunda expedição foi feita em 1599. A frota de navios retornou um ano depois carregada com quase um milhão de libras em pimentas e cravos, além de grandes quantidades de noz-moscada, maça e canela. A expedição lucrou em 400%, impressionando os investidores. 

Formação da companhia

Mesmo assim, empresas holandesas competiam pelo comércio de especiarias. Como resultado, os preços flutuavam descontroladamente, consumindo os lucros. Para estabilizar o risco, a República Holandesa fundiu as companhias rivais e formou um cartel em 1602, seguindo a dica dos ingleses que fizeram isso dois anos antes, criando a Companhia Inglesa das Índias Orientais. 

Empresa poderosa

A Companhia Holandesa das Índias Orientais possuía um capital inicial de 6,4 milhões de florins. Para contextualizar, esse valor equivale-se a mil residências em Amsterdã, ou US$ 416 milhões (R$ 1,6 bilhão), conforme a inflação atual. A empresa foi autorizada a construir fortes, formar um exército particular e a assinar tratados com governadores locais. 

Primeira Oferta Pública Inicial

A Companhia Holandesa das Índias Orientais foi a primeira empresa a vender ações para o público geral, realizando a primeira Oferta Pública Inicial da história em 1602, quando estava tentando levantar capital. O investimento mínimo era de 3 mil florins, cerca de US$ 195 mil (R$ 796 mil), conforme a inflação atual. Os lucros da corporação rapidamente prosperaram para alegria de seus investidores. 

Primeiros sucessos

Em 1603, a Companhia Holandesa das Índias Orientais capturou Santa Catarina, um navio mercante português repleto de porcelanas chinesas caras. Um golpe importante para a empresa, já que a captura aumentou o capital dela em 50%. No mesmo ano, a companhia estabeleceu seu primeiro posto comercial em Banter, Java Oriental. 

Alcance global

Os navios da companhia viajavam por toda parte. Em 1606, o Duyfken foi o primeiro navio europeu a desembarcar no continente da Austrália, ou da Nova Hollandia como foi nomeada na época pelos holandeses. Enquanto isso, o navio Halve Maen (foto), comandado pelo inglês Henry Hudson, navegou para o que é conhecido hoje como a Baía Upper New York, em 1609. 

Condições horríveis

A vida no mar e nos postos avançados da companhia era longe de ser agradável. O pagamento era baixo, a disciplina era brutal, as doenças eram abundantes e os acidentes eram comuns. Apenas um em cada três marinheiros que velejavam com a empresa retornavam, e aqueles que sobreviviam voltavam desnutridos, doentes ou com ferimentos letais. 

Primeira empresa pública

Em 1611, a Companhia Holandesa das Índias Orientais lançou a primeira bolsa de valores formal do mundo em Amsterdã, e se tornou a primeira empresa de capital aberto da história. A companhia também foi pioneira em opções de ações, swaps de ações e outros instrumentos financeiros com base em especulações. Além disso, ela foi o centro da primeira rebelião de acionistas. 

Primeira empresa multinacional

Mais uma vez revolucionando o mercado, a Companhia Holandesa das Índias Orientais se tornou a primeira empresa multinacional do mundo em 1619, quando o Governador-General Jan Pieterszoon Coen ordenou um ataque ao porto de Jayakarta (atual Jacarta). Coen e suas tropas arrasaram a cidade, matando ou expulsando boa parte da população. Em 1621, eles renomearam o local para Batavia, e o porto acabou virando a nova sede asiática da companhia. 

Comércio lucrativo

As operações da companhia expandiram-se significantemente na Ásia durante a década de 1620. Postos avançados de comércio foram criados em Formosa (Taiwan) e em Mughal Bengal, na Índia, e os lucros aumentavam às custas da população local. A empresa cobrava 14 a 17 vezes mais caro os preços das especiarias que havia adquirido na Ásia, já que elas eram raras na Europa. 

Cidade mais rica

Hoje em dia, as residências elaboradas do século XVII de Amsterdã servem para lembrar dos "Tempos de Ouro" do país, quando a Holanda era a potência econômica líder do mundo. Naquela época, a cidade era o mais importante centro comercial do ocidente, por causa do sucesso da Companhia Holandesa das Índias Orientais. Amsterdã abrigava várias indústrias que iam do setor financeiro até a construção naval, durante a segunda metade do século XVII. Para se ter uma ideia, o PIB per capita de lá era quatro vezes maior do que o de Paris. 

Mania das tulipas

O valor da companhia disparou em 1634, quando seus navios, que carregavam bulbos de tulipa, deram início a famosa "mania das tulipas", a primeira bolha especulativa registrada do mundo. Todos enlouqueceram com as novas flores da moda, e isso acabou elevando os preços dos ativos bem acima de seus valores intrínsecos, com as ações se valorizando em 1.200%. Para se ter uma ideia, no auge da bolha, um bulbo de tulipa custava mais que a renda anual de um trabalhador ou até do que várias casas. Pouco antes da bolha estourar em 1637, a empresa valia 78 milhões de florins holandeses, o equivalente a US$ 8,2 trilhões (R$ 33 trilhões), conforme a inflação atual. Isso é quase o PIB combinado da Alemanha, Reino Unido e França nos dias de hoje, de acordo com estimativas do Banco Mundial. A Companhia Holandesa das Índias Orientais sobreviveu ao estouro, apesar de muitos investidores terem ido à falência. 

Expansão antecipada

A companhia se expandiu para o Ceilão (atual Sri Lanka) em 1640, deixando os portugueses de vez para trás. No ano seguinte, a empresa se tornou a única organização européia autorizada a negociar diretamente com o Japão, fundando seu primeiro posto de comércio no país em 1609. Esse acordo durou até o fim da corporação em 1799. 

Trabalho escravo

Em 1652, a Companhia Holandesa das Índias Orientais estabeleceu um posto no Cabo das Tempestades (mais tarde renomeado para Cabo na Boa Esperança), na atual África do Sul. Por conseguinte, o município de Kaapstad (Cidade do Cabo) foi fundado. A empresa deixou um legado brutal por lá, enviando milhares de pessoas escravizadas para outras partes da África para trabalhar nas terras dos colonos europeus. Muitas dessas pessoas acabaram morrendo de doenças trazidas pelos colonizadores, como a varíola.

Comércio diversificado

Ao estabelecer a colônia, não demorou muito para os holandeses fundarem a indústria vinícola sul-africana. Além de vinho, especiarias, algodão, seda e assim por diante, a companhia comercializava outros produtos, tais como, ópio, açúcar, chá e até mesmo chegou a exportar elefantes. 

Empresa mais rica

Em 1699, a Companhia Holandesa das Índias Orientais havia se tornado a empresa mais rica do mundo em termos de ativos. A corporação tinha mais de 150 embarcações mercantes, 40 navios de guerra e postos avançados pela Ásia e partes da África. Além disso, a companhia contava com a mão-de-obra de 50 mil pessoas, mais um exército particular de 10 mil soldados. 

Sistema de negociação

A Companhia Holandesa das Índias Orientais criou um poderoso sistema comercial intra-asiático. Ouro, prata e cobre japonês eram negociados com Mughal Bengal (hoje Bangladesh e Bengala Ocidental, Índia), e Formosa (agora Taiwan). Já outras nações asiáticas compravam porcelana, seda e algodão da empresa. O sistema assegurou que o suprimento de metais preciosos europeus permanecesse abundante. 

O fim da Era de Ouro

A Era de Ouro da companhia chegou ao fim em 1670, por causa das concorrentes de outros gigantes europeus, como a Companhia Francesa das Índias Orientais e a Companhia Dinamarquesa das Índias Orientais. Aos poucos, as especiarias e outros produtos do Caribe e da América do Sul inundaram o mercado global. Além do mais, o conflito com os ingleses também acabou interrompendo as operações internacionais da corporação, bem como, a queda do comércio com o Japão, que introduziu novos limites para a exportação do ouro, prata e cobre. 

A Era da Expansão começa

Daí em diante, a empresa deixou de negociar mercadorias de alto valor, como as especiarias, para produtos de menos valor, tais como, chá, café, tecidos e açúcar. Isso deu início a chamada "Era da Expansão", que durou até 1730. As baixas taxas de juros tornaram esse comércio possível e a companhia dependia de dívidas para manter suas atividades operando. 

Aumento da dívida

A companhia dobrou de tamanho de 1680 a 1730, embora as margens de lucro tivessem caído. Entretanto, as despesas passaram a aumentar e a produtividade estagnou e, por conseguinte, a empresa passou a ter menos investimentos. Não de demorou muito para o capital da corporação diminuir e as dívidas crescerem. 

Comércio da China

Os negócios com a China impulsionaram a empresa no final da Era da Expansão, especialmente com a comercialização de chás. Em 1729, a Companhia Holandesa das Índias Orientais construiu fábricas na província chinesa de Cantão, permitindo um comércio direto com o resto do país. Entretanto, isso não foi o suficiente para impedir a queda da corporação. 

Despesas emergentes

A companhia se envolveu nas Guerras Judaicas de Sucessão, que foram batalhas travadas entre a empresa com o reino independente de Sultanato de Mataram, em 1677 a 1755. As guerras acabou custando bastante para a corporação, que via suas despesas aumentarem cada vez mais. 

Corrupção generalizada

A corrupção se tornou desenfreada. Os funcionários da Companhia Holandesa das Índias Orientais eram mal remunerados e as condições de trabalho eram péssimas, o que levou vários empregados a se envolverem em furtos e contrabandos. Além disso, essas terríveis condições de trabalho provocavam uma alta taxa de mortalidade entre os funcionários, o que não contribuiu positivamente para o desenvolvimento da corporação. Isso desempenhou um papel fundamental para a queda da companhia, principalmente durante a década de 1790. 

Sentença de morte

A empresa tinha a política de rotear todo o seu comércio pelo posto avançado da Batavia, que era caro e ineficiente. A sentença de morte da empresa veio em 1780, com a Quarta Guerra Anglo-Holandesa. O conflito foi catastrófico para a companhia, que viu sua frota dizimada pela metade e seu poder na Ásia diminuir drasticamente. Corroída por dívidas, a corporação se nacionalizou em 1796. 

Empresa dissolvida


Naquela época, Napoleão havia invadido a República Holandesa e a nova República Batávia. Desse modo, a Companhia Holandesa das Índias Orientais encontrava-se ainda mais em apuros. Afundada por dívidas, a empresa foi liquidada pelo governo em 1799. Muitos bens da corporação foram reivindicados pela Grã-Bretanha, e o centro das finanças global passou de Amsterdã para Londres.

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